Por: Alex Sandro Perez Santos – Teólogo
A ideia de “propósito” tem se tornado cada vez mais relevante em nossa sociedade contemporânea. Em meio aos inúmeros desafios e pressões do mundo atual, muitas pessoas buscam respostas para questões fundamentais: “Por que estou aqui?”, “Qual é o sentido da minha vida?”, “Que contribuição posso dar ao mundo?”. O Evangelho de Cristo, que se estende por mais de dois mil anos de história, oferece uma perspectiva sólida e cheia de esperança para todos aqueles que anseiam por um propósito maior. Entretanto, vale ressaltar que o propósito cristão vai além de simplesmente encontrar uma carreira ou função social; ele é ancorado numa relação profunda com Deus, que dá sentido a cada aspecto da existência.
1. Conceituando o propósito de vida à luz do Evangelho
Quando falamos em propósito à luz do Evangelho, estamos falando de algo que nasce do próprio coração de Deus e é revelado aos seres humanos por meio das Escrituras e da tradição cristã. A Bíblia apresenta várias passagens que nos ajudam a compreender essa realidade. Um dos exemplos mais clássicos está em João 10:10, quando Jesus afirma: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” A vida abundante proposta por Cristo não se limita a bens materiais ou status social; trata-se de uma plenitude que atinge todas as dimensões do ser humano: espiritual, emocional, relacional, intelectual e social.
Essa abundância que o Evangelho promete está profundamente vinculada à compreensão de quem somos diante de Deus e de qual é a nossa identidade em Cristo. Em outras palavras, o propósito cristão não é meramente uma “função” que desempenhamos no mundo, mas uma relação de intimidade que orienta nossas escolhas, define nossos valores e molda nossa forma de nos relacionarmos com as pessoas e com a sociedade. Assim, nosso propósito existencial se encontra, primeiramente, em Cristo – aquele que nos convida a participar de Seu Reino de amor, justiça e paz.
2. A busca de sentido frente aos desafios contemporâneos
Os desafios de nossa sociedade moderna são inúmeros. Vivemos em um mundo marcado pela desigualdade social, pela polarização política, pela velocidade das inovações tecnológicas e por crises de ordem econômica e ambiental. Nesse contexto, muitas vozes competem pelo nosso tempo e atenção. As redes sociais e as diversas plataformas midiáticas podem, ao mesmo tempo, aproximar as pessoas e gerar ruído, distraindo-nos de perguntas essenciais sobre fé, verdade e sentido.
No entanto, é justamente nesses cenários complexos que o propósito cristão se faz tão necessário. Ao nos engajarmos em questões de política, cultura e sociedade, podemos orientar nossas ações pelos princípios do Evangelho, colocando o amor, o respeito e a comunhão no centro de nossas relações. Nisso, vislumbramos a capacidade do propósito cristão de “salgar a terra e iluminar o mundo” (cf. Mateus 5:13-14), pois a mensagem de Jesus não se resume a um conceito abstrato de fé, mas se traduz em atitudes concretas que transformam realidades.
3. O desafio de aplicar o propósito cristão no dia a dia
Um dos grandes obstáculos que muitas pessoas enfrentam é a dificuldade de conectar as verdades bíblicas – ricas em ensinamentos – com a vida cotidiana, marcada por rotinas, prazos, obrigações profissionais e familiares. Como viver a profundidade do propósito cristão em um ambiente de trabalho competitivo ou em um cenário político repleto de tensões? Como refletir o amor e o respeito quando encontramos divergências culturais e ideológicas tão fortes?
A resposta, embora desafiadora, é simples em seu princípio: o foco no amor a Deus e no amor ao próximo. Jesus resumiu toda a Lei e os Profetas em dois mandamentos: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (cf. Mateus 22:37-39). Esse é o cerne do propósito cristão. Ao exercitar o amor, demonstramos respeito e buscamos a comunhão, mesmo em meio às diferenças. Se nos focarmos nesse mandamento duplo, conseguiremos encontrar diretrizes claras para nossas decisões diárias.
Considere, por exemplo, o ambiente político. Há uma pluralidade de visões acerca de como se deve administrar uma nação ou comunidade. Nem sempre será possível concordar em todos os pontos, mas o propósito cristão nos convida a dialogar com respeito, reconhecer a dignidade dos que pensam diferente, trabalhar pela justiça e pela paz. Esse modo de viver nos chama a interceder pelos governantes, mas também a participar dos espaços públicos de forma ativa e responsável, buscando o bem comum. Em síntese, é uma fé engajada, que não se omite diante das demandas sociais e políticas.
4. Cultura, identidade e propósito
Quando falamos de cultura, entramos em um campo vasto e dinâmico, no qual se incluem artes, tradições, costumes, modos de expressão e valores compartilhados. A cultura, por si, não é estática: ela evolui, se transforma e se reinventa ao longo dos séculos. Nesse sentido, o cristão é chamado a participar e a discernir sobre as manifestações culturais, reconhecendo a beleza e a expressão criativa que Deus concede à humanidade, mas, ao mesmo tempo, tendo o cuidado de filtrar aquilo que contraria valores fundamentais da fé e do respeito à dignidade humana.
O propósito cristão, dentro do universo cultural, exige de nós uma postura de diálogo. Não somos chamados a estabelecer muros intransponíveis, mas pontes que promovam o entendimento mútuo. Em vez de rechaçar tudo o que não compreendemos ou que foge ao padrão tradicional, podemos buscar compreender, avaliar à luz dos ensinos de Cristo e, quando for edificante, acolher as contribuições culturais que promovem a vida, a paz, a arte e o bem-estar. Por outro lado, diante de aspectos culturais que promovem injustiça, exploração ou depreciação da dignidade humana, devemos manifestar o compromisso profético do Evangelho em denunciar o que desumaniza e nos empenhar por transformações sociais.
5. O convite pessoal ao serviço e à comunhão
Jesus não chamou seus discípulos para uma vida passiva. Ao contrário, Ele os enviou para serem testemunhas (cf. Mateus 28:19-20). O propósito cristão, portanto, envolve um senso de missão que se materializa em serviço ao próximo. É nesse serviço que encontramos uma dimensão profunda de significado, pois, ao nos dedicarmos ao bem do outro, refletimos o caráter de Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mateus 20:28).
No contexto comunitário, a comunhão surge como um valor essencial. As igrejas e as comunidades de fé são espaços privilegiados para o exercício dos dons e talentos que Deus concede a cada pessoa. Na comunhão, aprendemos a valorizar as diferenças, a construir relacionamentos sólidos e a crescer na fé por meio do estudo compartilhado das Escrituras, da oração e do partir do pão. A comunhão cristã não é um fim em si mesma; ela é um testemunho vivo ao mundo de que somos discípulos de Jesus. Como Ele próprio declarou: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (João 13:35).
6. Fé, política e ética: intersecções e tensões
A vida pública – em suas dimensões políticas e sociais – é outro lugar onde o propósito cristão se manifesta. Nem sempre é fácil conciliar a fé com as práticas e demandas do jogo político. O risco de cair em excessos ou compromissos questionáveis existe, mas esse também é o espaço onde a ética cristã pode e deve incidir para apontar caminhos de justiça e verdade.
O cristão que se envolve em política é convidado a encarar essa esfera como parte do projeto de Deus de cuidar da criação e promover o bem coletivo. A separação entre o que é “sagrado” e o que é “profano” não deve nos levar a uma espiritualidade alienada, que não encontra eco na realidade social. Pelo contrário, a fé nos impulsiona a lutar por políticas que reflitam valores como a equidade, o respeito, o cuidado com os mais vulneráveis e a preservação dos recursos naturais. Tudo isso faz parte do propósito cristão, pois servir a Deus também significa servir às pessoas feitas à Sua imagem e semelhança.
7. Superando a desesperança e cultivando a esperança
Diante de tantas crises – sejam elas de caráter econômico, ambiental, social ou moral – é comum que a desesperança tome conta dos corações. A tentação de resignar-se ou de construir muros de defesa é grande. No entanto, o propósito cristão nos lembra de que “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 30:5). Cristo ressuscitado é o grande sinal de que o amor é mais forte que a morte, e de que há esperança, mesmo em meio aos cenários mais sombrios.
Cultivar a esperança cristã significa olhar para as adversidades como oportunidades de exercitar a fé e o amor. Significa reconhecer que Deus age na história, ainda que de forma misteriosa, e que cada um de nós é chamado a ser cooperador nessa obra. A esperança não é ingenuidade; é a confiança de que Deus não está alheio ao sofrimento humano e de que somos parte de Seu plano de restauração do mundo.
8. O propósito como jornada de transformação
Uma das belezas do propósito cristão é entender que se trata de uma jornada em constante desenvolvimento. Não acordamos, de um dia para o outro, completamente prontos para responder a todos os desafios. Pelo contrário, vamos crescendo em graça e conhecimento de Cristo (cf. 2 Pedro 3:18) por meio da oração, do estudo da Palavra e da vida em comunidade. Cada etapa dessa jornada traz consigo novas compreensões e desafios.
O processo de amadurecimento espiritual é fundamental para que possamos influenciar positivamente nossa sociedade. Ao amadurecermos, desenvolvemos empatia, capacidade de perdoar, paciência e perseverança. Desse modo, nossa vida diária – seja na esfera familiar, profissional ou pública – passa a ser marcada pela sabedoria e pelos frutos do Espírito (cf. Gálatas 5:22-23).
Conclusão: vivendo a profundidade do propósito cristão
Em suma, a profundidade do propósito cristão reside em uma vivência integral da fé, que abrange o relacionamento pessoal com Deus, o serviço amoroso ao próximo e a contribuição efetiva para a transformação das estruturas sociais. Ao conceituarmos o propósito de vida à luz do Evangelho, percebemos que ele não é algo abstrato, mas se materializa na prática diária do amor, do respeito e da comunhão.
A busca de sentido, tão presente em nossos tempos, encontra resposta naquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. João 14:6). Jesus Cristo nos conduz a uma compreensão ampliada de quem somos e do nosso lugar no mundo, convidando-nos a participar de Seu Reino por meio de nossa atuação em cada ambiente onde estamos inseridos. Desse modo, o propósito cristão não é estático, mas dinâmico, estendendo-se em diferentes áreas da vida – seja na política, na cultura ou nas relações pessoais.
Convido você, então, a refletir: como posso incorporar, de maneira ainda mais concreta, a profundidade desse propósito cristão em minha vida cotidiana? Seja no trato com colegas de trabalho, seja na maneira como discuto temas políticos ou acolho a diversidade cultural ao meu redor, o amor, o respeito e a comunhão devem permanecer como norteadores de cada decisão. Se, por um lado, tal compromisso pode parecer desafiador, por outro, sabemos que não estamos sozinhos: Deus nos dá o sustento, a igreja nos oferece a comunhão e o Espírito Santo nos guia na compreensão das Escrituras.
Que possamos encontrar alegria nessa jornada, servindo ao próximo e glorificando a Deus em cada passo que dermos. Afinal, essa é a essência da profundidade do propósito cristão: viver para Aquele que nos criou, amou e resgatou, manifestando Seu amor a todos que cruzarem nosso caminho. Sob esse prisma, nossa vida ganha luz, sentido e beleza, testemunhando diante do mundo que, em Cristo, há esperança, paz e salvação para todas as nações.