Por: Alex Sandro Perez Santos
Em tempos de polarização política, crescimento do extremismo e debates acalorados nas redes sociais, o conceito de tolerância se tornou central. No entanto, nem sempre compreendemos a complexidade do tema. Muitas vezes, imagina-se que “tolerância” significa aceitar tudo, sem questionar. Foi contra essa compreensão simplista que o filósofo Karl Popper, em sua Obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), formulou o que chamou de paradoxo da tolerância.
Segundo Popper, se uma sociedade é ilimitadamente tolerante, mesmo com aqueles que são intolerantes, ela corre o risco de ser destruída por esses intolerantes. Portanto, a defesa da tolerância implica estabelecer limites claros à intolerância absoluta.
Este dilema não é apenas filosófico; ele é profundamente ético, político e espiritual. Para os cristãos, ele toca diretamente no desafio de conciliar o amor ao próximo com a proteção do bem comum. Neste artigo procuro explorar o paradoxo da tolerância à luz da ética cristã, do diálogo inter-religioso e da experiência histórica recente.
Mas o que é o Paradoxo da Tolerância?
Popper observou que sociedades livres correm um perigo estrutural: ao permitir que qualquer discurso floresça, inclusive o discurso intolerante, elas abrem caminho para que forças contrárias à liberdade ganhem força e espaço. Essas forças, uma vez fortalecidas, destroem as instituições que lhe deram voz.
Podemos resumir assim o paradoxo:
Ao tolerar todas as ideias, inclusive as intolerantes, se a intolerante se torna vitoriosa ela elimina a tolerância, então para preservar a tolerância é preciso ser intolerante com a intolerância absoluta.
Essa formulação, à primeira vista, parecer ser contraditória, pois afinal como ser “tolerante” limitando certas expressões? Popper não defendia a censura arbitrária; ele propunha que a tolerância não devia estender-se a movimentos e ideologia que, recusam o diálogo racional, pregam ou praticam a violência e visam destruir a liberdade e a igualdade.
O que a História Moderna nos ensina?
O exemplo da ascensão do nazismo na Alemanha ilustra de maneira contundente o perigo de uma tolerância sem limites. Ao fazer uso das liberdades democráticas, o Partido Nazista conseguiu conquistar espaço e influência, apresentando-se como parte legítima do debate político. Contudo, ao chegar ao poder, rapidamente eliminou as próprias liberdades que possibilitaram seu crescimento, instaurando um regime opressor e intolerante.
Esse episódio ressalta a necessidade de discernimento em sociedades livres: tolerar ideias que visam destruir os próprios fundamentos da convivência democrática é um risco que pode levar à perda de direitos fundamentais. Por isso, a vigilância ética e política é indispensável para que a tolerância não se torne um instrumento nas mãos da intolerância organizada.
Ao analisar a ascensão de regimes totalitários ao longo do século XX, como o Fascismo e o Stalinismo, fica evidente como a liberdade de expressão pode ser instrumentalizada por grupos autoritários. Inicialmente, esses movimentos se aproveitaram do ambiente democrático e tolerante para difundir suas ideias e conquistar adeptos, muitas vezes sob o pretexto de representar forças legítimas no debate público. No entanto, uma vez consolidados no poder, rapidamente suprimiram qualquer oposição e eliminaram as liberdades fundamentais que permitiram seu crescimento.
Esse padrão histórico demonstra que a tolerância irrestrita, longe de garantir a diversidade ou o respeito mútuo, pode criar brechas pelas quais a intolerância organizada se estabelece, tornando-se, em última instância, uma ameaça à própria liberdade que alimentou seu surgimento. Por isso, a defesa da democracia exige não apenas abertura ao diálogo, mas também discernimento e coragem para estabelecer limites diante de ideologias que rejeitam o convívio plural e democrático.
Esses episódios revelam que a tolerância sem limites não garante a liberdade; ao contrário, pode acelerar sua destruição. A defesa de um ambiente livre exige vigilância ativa.
Qual a perspectiva da tolerância na ética Cristã?
No cristianismo, tolerância não é sinônimo de indiferença moral, Jesus ensinou a amar até os nossos próprios inimigos (Mateus 5:44), mas também confrontou líderes religiosos hipócritas (Matues 23). Esse equilíbrio entre o amor e a firmeza é o ponto central da ética cristã.
No cristianismo, tolerância não é sinônimo de indiferença moral. Jesus ensinou a amar até os inimigos (Mateus 5:44), mas também confrontou líderes religiosos hipócritas (Mateus 23). Esse equilíbrio entre amor e firmeza é central.
A Escritura oferece princípios para entender os limites da tolerância:
“Detestem o mal; apeguem-se ao que é bom.”
(Romanos 12:9)
O apóstolo Paulo nos lembra que a vida cristã é marcada por escolhas diárias. Não basta apenas evitar o mal; é preciso rejeitá-lo com firmeza e se agarrar, com determinação, a tudo o que é bom.
Esse “bem” não se resume a boas intenções, mas é fruto de um coração alinhado com a vontade de Deus, refletido em atitudes de amor, justiça e verdade.
Em um mundo onde o mal muitas vezes se disfarça de bondade, é essencial discernir e cultivar o que edifica, fortalece e aproxima do Senhor.
“Fale a favor dos que não podem se defender, seja o defensor de todos os desamparados.”
(Provérbios 31:8-9)
A sabedoria bíblica nos lembra que a fé não é apenas um sentimento interior, mas um chamado à ação. Somos desafiados a usar nossa voz e influência para proteger aqueles que não têm força, espaço ou oportunidade para se defender.
Defender os desamparados é agir como reflexo do próprio coração de Deus, que é Pai dos órfãos e juiz das viúvas. É colocar-se ao lado dos injustiçados, lutar contra as opressões e promover a justiça.
Em um mundo onde muitos sofrem em silêncio, que possamos ser voz para os que não têm voz, luz para os que vivem na sombra, e mãos estendidas para os que clamam por ajuda.
“Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.”
(Efésios 4:15)
O apóstolo Paulo nos convida a viver uma fé madura e equilibrada. Seguir a verdade é indispensável, mas ela precisa ser temperada pelo amor, pois a verdade sem amor pode ferir, e o amor sem verdade pode se tornar permissividade.
O objetivo é o crescimento integral; em caráter, em maturidade espiritual, em serviço e em comunhão com Deus, tendo Cristo como o centro e o exemplo supremo.
Quando nossa vida é guiada por essa combinação perfeita de verdade e amor, nos tornamos reflexos vivos de Cristo, crescendo não apenas para nós mesmos, mas para edificar todo o corpo da fé.
Assim, a ética cristã não permite um relativismo moral onde tudo é aceitável. O amor ao próximo inclui proteger as pessoas de ideologias e práticas que desumanizam, exploram ou dividem.
Paradoxo e o Diálogo Inter-religioso
O diálogo inter-religioso é um campo fértil para aplicar o paradoxo da tolerância. Sociedades plurais só funcionam quando há respeito mútuo entre as tradições de fé e cultura. No entanto, surgem fortes desafios quando um grupo religioso rejeita qualquer forma de convivência pacífica com outras cresças, não aceitando o diferente e tentando impor sua cosmovisão pela força política ou até pela imposição violenta, desumanizando os que pensam de forma diferente.
O cristianismo, em sua melhor expressão, não buscar oprimir, mas testemunhar a verdade em liberdade, e com isto reconhece a dignidade do outro, busca defender as liberdades fundamentais e rejeitando qualquer forma de coerção. Mas é importante ressaltar que ser tolerante, aqui, significa acolher a diversidade sem renunciar aos princípios da fé cristã que preservam a dignidade humana.
Os Desafios Contemporâneos
O paradoxo da tolerância está vivo em nossos dias, em pelo menos três áreas Críticas:
Redes Sociais:
Plataformas digitais se tornaram arenas de debate público, mas também de discurso de ódio, o que nos leva a pergunta de quanto uma opinião cruza a linha e se torna incitação à violência, e como podemos criar mecanismos de moderação sem cair em uma censura abusiva?
Liberdade de Expressão
Sociedades democráticas protegem a liberdade de expressão como valor central, mas esse direito não é absoluto, as leis já reconhecem que ameaças, calúnias e incitação ao ódio não estão protegidas pela liberdade de expressão.
Política e Polarização
Movimentos políticos podem usar a linguagem da “liberdade” para avançar agendas que, no fim, restringem direitos. O desafio é discernir entre divergência legítima e projetos autoritários disfarçados.
O Caminho do Equilíbrio
Popper sugeriu que o primeiro passo conta a intolerância é o debate racional: refutar ideias perigosas com argumentos, entretanto, quando o intolerante rejeita o diálogo e recorre à violência ou intimidação, a sociedade deve ter o direito e o dever de impedir suas ações, isto inclui ter leis claras contra crimes de ódio, promover uma educação para uma vivência plural e fortalecer suas instituições democráticas.
Os cristãos podem e devem contribuir sendo imitadores de Jesus Cristo, buscando o bem do próxima, inclusive daqueles com quem discordam, protegendo os vulneráveis não deixando que sua liberdade seja usada como arma de opressão, e vivendo em seu dia a dia de modo coerente com o evangelho de Cristo, mostrando que é possível defender a verdade sem o uso da violência.
Conclusão
O paradoxo da tolerância nos lembra que a liberdade e o respeito não são automáticos; eles precisam ser cultivados e defendidos. Ser tolerante não significa abrir mão da verdade nem permitir que ideologias destrutivas tenham carta branca para agir.
À luz do Evangelho, tolerância é mais do que “suportar o outro”; é agir com amor e firmeza, garantindo que todos possam viver com dignidade.
Como escreveu o apóstolo Paulo: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permaneçam, pois, firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão.” (Gálatas 5:1)
Assim, defender a tolerância verdadeira exige coragem para dizer “não” à intolerância, não por medo, mas por amor à justiça, à paz e à vida em plenitude.