Carta Aberta ao Leitor

Por: Alex Sandro Perez Santos – Teólogo

Dez Pontos que Precisamos Refletir:

1. O imediatismo como combustível para a desinformação

Atualmente, o tempo de resposta e a capacidade de se manter atualizado em tempo real são vistos como diferenciais competitivos na internet. As pessoas tendem a valorizar quem consegue noticiar primeiro, quem oferece conteúdos de maneira rápida e acessível. Entretanto, a exigência por velocidade geralmente vem acompanhada de uma redução na qualidade ou na veracidade das informações disponibilizadas. O fenômeno popularmente chamado de “fake news” ganha terreno exatamente nesse ponto: na ânsia por ganhar cliques, likes e compartilhamentos, muitos acabam divulgando manchetes chamativas, simplificadas ou até mesmo distorcidas, de modo a atrair a atenção imediata do público.

Para além do jornalismo profissional, o indivíduo comum também se vê pressionado a compartilhar rapidamente o que descobre, sem refletir muito sobre a fonte ou a consistência do que está postando. O ato de “repassar” a informação funciona, muitas vezes, como uma forma de autoafirmação social. A pessoa se sente importante por ser a primeira a divulgar algo supostamente inédito, mas nem sempre verifica a veracidade. Nesse sentido, vivemos em um ciclo contínuo em que a velocidade e a superficialidade pautam muitas decisões de compartilhamento.

2. A crise do pensamento crítico

A facilidade com que uma informação circula nas redes sociais está intrinsecamente ligada à forma como consumimos conteúdo na internet. Em questão de segundos, podemos compartilhar textos, vídeos e áudios, que se alastram por grupos de conversas privadas ou públicas com uma velocidade impressionante. Contudo, a reflexão, o pensamento crítico e a checagem de fatos demandam mais tempo e disposição. Exigem que deixemos de lado a ansiedade para “falar primeiro” e nos dediquemos a analisar o que, de fato, está sendo dito.

Essa crise do pensamento crítico não é responsabilidade exclusiva das redes sociais: a educação formal, os valores familiares e a cultura de leitura de cada sociedade exercem papéis fundamentais para a formação ou não de cidadãos críticos. Porém, a facilidade com que podemos postar e replicar conteúdos na internet exacerba nossa preguiça em questionar. Quando dispensamos a busca pela veracidade, tornamo-nos vulneráveis ao sensacionalismo e à manipulação. Assim, a internet se transforma em um terreno fértil para todo tipo de “inverdade” plantada com o fim de obter ganhos políticos, econômicos ou de mera influência digital.

3. O papel das plataformas digitais e dos algoritmos

As empresas que administram redes sociais desenvolvem algoritmos que buscam maximizar o tempo que passamos conectados e, consequentemente, o volume de interações que realizamos. O objetivo, em última análise, é manter nosso engajamento para nos expor a mais anúncios e, com isso, gerar maiores lucros para as plataformas. Essa lógica tende a amplificar conteúdos que despertam emoções fortes, sejam elas positivas ou negativas: indignação, revolta, medo ou empolgação podem impulsionar ainda mais os compartilhamentos.

Nesse cenário, informações falsas ou sensacionalistas, carregadas de teor emotivo, encontram terreno fértil para crescer. A tendência de reforçarmos nossos vieses cognitivos (ou seja, de buscarmos informações que confirmem o que já acreditamos) faz com que cada pessoa seja exposta preferencialmente ao tipo de conteúdo com que mais interage. Se apreciamos teorias de conspiração, por exemplo, não é incomum que os algoritmos nos direcionem ainda mais conteúdos dessa mesma natureza. Esse ciclo retroalimenta a desinformação e reforça a sensação de que o mundo está de acordo com o que cada um crê, muitas vezes afastando-nos do debate construtivo e do questionamento honesto sobre a realidade.

4. A falta de disposição para ir além das manchetes

Outro ponto crucial é a nossa falta de disposição para ir além das manchetes. Textos sensacionalistas, muitas vezes, fazem uso de frases de efeito que parecem resumir todo o assunto em poucas palavras. Se esse “resumo” é ambíguo ou completamente equivocado, corremos o risco de interpretar o conteúdo de forma errônea. Pior ainda: podemos compartilhá-lo cegamente, crendo estar informando nossos contatos.

Para expor a realidade, na maioria das vezes, é necessário estudo e cautela. É preciso ler diferentes fontes, comparar dados, verificar a idoneidade das instituições ou pessoas envolvidas. Esse processo de checagem não traz a gratificação rápida de um “like” ou de um número elevado de compartilhamentos instantâneos. Ao contrário, dá trabalho, exige paciência e dedicação. Em um meio digital que valoriza a pressa, quem busca a profundidade acaba parecendo “antiquado” ou “desconectado”, em contraste com aqueles que repetem as informações mais gritantemente populares do momento.

5. Os riscos para o debate público e a democracia

Quando mentiras ou distorções são disseminadas em larga escala, o debate público é afetado negativamente. Políticos, celebridades, influenciadores ou simplesmente pessoas comuns podem utilizar essas inverdades para manipular a opinião coletiva, promovendo agendas nem sempre transparentes ou éticas. Em um ambiente em que boa parte dos cidadãos forma suas opiniões por meio de posts e manchetes superficiais, as nuances e complexidades dos fatos acabam se perdendo.

A democracia depende do acesso a informações de qualidade para que o povo possa exercer seus direitos e deveres de forma consciente. Se a maioria dos eleitores se baseia em boatos ou distorções na hora de votar, a escolha política se torna fragilizada. E, embora a internet traga inegáveis benefícios e possibilidades de participação, a ausência de um espírito crítico sobre o que lemos e compartilhamos pode nos conduzir a graves retrocessos, tanto no âmbito político como no social.

6. A sedução dos “likes” e a busca por validação social

Um aspecto psicológico que não podemos ignorar é a busca humana por aprovação e pertencimento. O famoso botão de “curtir” traduz, de forma simples, nosso desejo de ser aceito. E, nas redes sociais, esse desejo é multiplicado: vemos números, estatísticas de seguidores, reações e comentários que se tornam espécies de indicadores de sucesso ou fracasso pessoal. Infelizmente, muitos preferem moldar suas publicações de acordo com o que “dá ibope”, em vez de focar na verdade dos fatos.

Esse processo cria um círculo vicioso. Se determinado tipo de conteúdo gera mais engajamento, repetimos a fórmula na esperança de colecionar cada vez mais “likes” ou comentários, independentemente de termos verificado se aquilo corresponde à realidade. O post que ganha destaque, portanto, nem sempre é o que oferece a informação mais precisa, mas sim o que melhor explora certos gatilhos emocionais ou ideológicos.

7. O impacto nas relações pessoais e na convivência em sociedade

Espalhar inverdades não prejudica apenas o debate macro, mas também as nossas relações interpessoais. Discussões acaloradas surgem facilmente quando alguém discorda do conteúdo que compartilhamos ou da fonte que citamos. O ambiente digital, muitas vezes, não favorece o diálogo respeitoso, pois nos escondemos atrás de telas, distantes do olhar e do tom de voz do outro. Isso nos leva a práticas de ofensa, desqualificação e polarização, em vez de incentivarmos debates construtivos e empáticos.

Há, inclusive, casos em que amizades ou laços familiares se rompem devido a divergências de opinião que poderiam ser tratadas com cordialidade e compreensão mútua. Quando a mentira se torna mais comum do que a verdade, o terreno para a desconfiança mútua se amplia. E em um contexto em que todos desconfiam de todos, é muito mais difícil criar pontes de comunicação autêntica e cooperativa.

8. Caminhos para a transformação

Apesar desse retrato preocupante, há motivos para termos esperança em uma mudança de paradigma. A mesma internet que facilita a desinformação também oferece recursos valiosos para a busca de conhecimento. A existência de veículos jornalísticos sérios, pesquisadores independentes e iniciativas de checagem de fatos possibilita que qualquer indivíduo interessado em desvendar a verdade tenha meios de fazê-lo. Além disso, algumas plataformas de redes sociais têm buscado desenvolver ferramentas para sinalizar conteúdo duvidoso, ainda que de forma inicial e limitada.

A verdadeira transformação, porém, depende em larga medida da responsabilidade individual de cada usuário. Podemos exercitar uma atitude proativa de verificação dos fatos, lendo diferentes visões sobre o mesmo evento, conferindo estatísticas e dados em fontes oficiais, ouvindo especialistas, entre outras práticas. Ademais, precisamos estar dispostos a rever nossas posições quando confrontados com evidências contrárias. Esse é, sem dúvida, um dos grandes desafios para aqueles que buscam viver com honestidade intelectual em meio ao caos de informações que circulam pela rede.

9. O convite à reflexão e à postura ativa

Debatermos esses temas é, sobretudo, um convite à reflexão. Em um mundo saturado de conteúdos, ter a coragem de “nadar contra a correnteza” – ou seja, de pensar antes de postar, de checar antes de compartilhar, de questionar o que muitos aceitam como verdade absoluta – constitui um gesto de liberdade e responsabilidade. Ao recusarmos a difusão de informações rasas ou manipuladas, estamos exercendo nosso papel de cidadãos conscientes e colaborando para a construção de uma sociedade mais justa e sólida.

Podemos, claro, usufruir das redes sociais para entretenimento, contato com amigos e divulgação de projetos interessantes. Contudo, convém estar atentos para que essa interação não nos transforme em mensageiros de mentiras ou equívocos, alimentando o ciclo de desinformação e colocando em risco valores essenciais como a verdade, a empatia e o respeito ao outro.

10. Conclusão

Em conclusão, vivemos sim em uma época em que o imediatismo reina e em que a busca por aprovação virtual pode levar muitas pessoas a compartilhar e propagar mentiras. Entretanto, não estamos fadados a ser reféns desse processo. A possibilidade de interromper esse ciclo está em nossas mãos, exigindo apenas que adotemos uma postura mais reflexiva, questionadora e ética diante das redes sociais.

Mais do que nunca, precisamos lembrar que a verdade, mesmo que complexa, vale a pena ser perseguida. Ela requer pesquisa, paciência, análise e diálogo. Esses elementos, embora não gerem a mesma quantidade de “likes” que manchetes escandalosas ou postagens sensacionalistas, são fundamentais para a construção de um debate público fundamentado e de uma vida social mais harmônica.

Por isso, sugiro que valorizemos a busca pela veracidade, que cultivemos o espírito crítico e que não nos deixemos seduzir unicamente pela euforia passageira de números e curtidas. Se cada um de nós fizer a sua parte, poderemos, pouco a pouco, fortalecer uma cultura digital que se alicerce na honestidade e no respeito, contribuindo para uma sociedade mais preparada para lidar com os desafios do século XXI.

Sigamos, pois, nessa missão de promover a reflexão e valorizar a verdade, ainda que isso demande tempo e esforço. Afinal, a construção de um mundo onde o real seja mais atraente do que o falso é um desafio coletivo – e começa com a nossa disposição de não nos deixarmos levar pelos ventos da desinformação.

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